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Comunicação e tecnologia: sobre o falar diante da aversão ao mal-entendido - Texto de Wagner Laguna

  • Convidado
  • 9 de abr. de 2018
  • 3 min de leitura

Atualizado: 5 de mai. de 2023

For millions of years mankind lived just like the animals

Then something happened which unleashed the power of our imagination

We learned to talk

(Stephen Hawking / Pink Floyd: Keep Talking, 1994)


Pelo o que me recordo, desde os anos 90, muito por conta da

popularização da internet, já ouvi toda a sorte de querelas sobre as

consequências que envolvem novas formas de comunicação. Do irrefreável

desenvolvimento tecnológico, quanto as suas possibilidades, velocidade,

alcance e riscos. Em cada diferente passo a retomada da pergunta sobre até

onde ainda é possível ir. Dúvida que geralmente não perdura, sendo logo

silenciada por algum novo avanço que a sucede, tornando obsoleto até o ato

de questionar – não é necessário perguntar o destino da caravana, no máximo

o quanto o cavalo é capaz de marchar até que ele fatigue e seja trocado por

outro. Em suma é este o modo que me lembro, desde os tempos dos Bulletin

Board System e está aí até hoje com Black Mirror. Tornou-se uma constante,

parte de um discurso corrente, se deslumbrar e no fundo recear o impacto da

tecnologia sobre o modo que nos enlaçamos e interagimos com o outro.


Na repetição que envolve esse assunto, já há um considerável tempo

nada se fez tão relevante ao ponto de deter a minha atenção, até o momento

em que o onipresente Google anunciou a funcionalidade de seu mais recente

aplicativo: Smart Reply. Que supostamente cumpriria a função de evitar

complicações, oferecendo respostas rápidas para e-mails e mensagens, se

valendo de inteligência artificial e de uma leitura algorítmica do contexto do

usuário. No lugar de digitar bastaria deixá-lo ativado ou escolher algumas

opções de respostas oferecidas. Lembrei na mesma ocasião de um certo

incômodo, por parte da clínica, quando pais de crianças procuram atendimento

para os filhos movidos por queixas escolares que apontam algum baixo

rendimento do aluno, mas ao falar disso os próprios cuidadores argumentam

que o filho pode até não fazer as tarefas da escola, mas é muito inteligente

porque sabia procurar sozinho no celular o vídeo que adora, baixar jogos e

conversar “direitinho” no grupo de família.


Do incômodo para questão. A velha, paradoxal e quase romântica dúvida

– sobre até onde é possível ir com a tecnologia – quando sustentada alça uma

nova condição para o impasse, já que a história mostra que demonizar a

tecnologia de forma ludita jamais teve como resultado algo de fato

representativo. Porque o problema não se encerra apenas na proposta do

aplicativo, mas sim naquilo que é ofertado ao sujeito e como ele assimila tal

oferta. Neste exemplo entra em causa a imaginária possibilidade de pular o

embaraço da linguagem e do mal-entendido, de não se preocupar com o que

escrever /dizer, ou com quanto tempo isso vai tomar.


Chavões tecnológicos vêm acompanhados de promessas não cumpridas.

Basta recordar do eterno porvir onde a comunicação entre as pessoas ficaria

mais fácil tornando-as próximas. Hoje, em contrapartida, temos a larga

dimensão da intolerância, das opiniões extremadas e manifestações radicais,

tão típicas dos fenômenos de massa. Lacan ao longo de seu ensino

apresentou algumas díades estruturantes e uma das mais interessantes é a

que trata alienação X separação. Tendo em vista que o oposto à alienação não

diz respeito a qualquer tomada de consciência, reflexão ou exercício de

pensamento, mas sim à capacidade do sujeito sustentar um enunciado, falar

por si, por aquilo que lhe causa no tocante ao cerne de desejo, sem se deixar

tomar pelo engodo de uma pretensa inequivocidade da comunicação.


Por isso a importância daquilo que não cabe em respostas prontas, da

polissemia, das assonâncias, homofonias, homonímias, intervalos, entrelinhas

e ambivalências que fazem da fala uma manifestação tão complexa e

fascinante. Apenas na fala que algo, mesmo quando repetido cem vezes, pode

comportar outras mil significações, revelando mais do falante do que da

mensagem em si, sem que ele tenha a mínima ideia disso. Um pouco

angustiante, não?


É compreensível a nossa demanda por soluções pragmáticas e rápidas.

Se perder na angústia do mal-entendido beira o insuportável. É necessário um

mínimo de garantia, um limite poderíamos dizer. Cabendo aqui a justa menção

ao tão instigante título deste site: “Palavra e Ato”; porque esta é uma saída

possível para a angústia, metaforicamente do ato para a ata: um lugar onde

haja oportunidade de cada um literalmente se escrever, escolhendo cada uma

das palavras na inscrição de sua própria historicidade.

Que possamos redigir a ata de nossa vida sem nos preocupar com o

corretor ortográfico!



Wagner Laguna, psicanalista e psicólogo, além do trabalho na clínica é atuante na saúde pública do município de São Paulo.

 
 
Psi

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